Morto,
serei um exemplo de humano ser!
Pelas bocas hipócritas
a minha tão grandiosa vida
será referida, confirmada e ampliada.
Da minha inteligência farão
discursos arrebatados,
do meu gosto coisa refinada.
Genial no pensar
e no escrever, pois então!
Poeta de eleição!
E da simpatia que dizer? Um encanto.
Óptimo marido, um santo;
pai do melhor que um rebento pode desejar.
Desconhecidas amizades exclamaram a uma voz:
Amigo; tão amigo!
Sempre atento ao sofrimento alheio,
capaz de actos tão beatos.
Trabalhador esforçado, responsável…
O melhor escravo que o
patrão pode comprar.
Defeitos?
Dirão, com a lágrima fingida
ao canto do olho:
Que os tinha, é certo,
mas de pouca monta,
pequenas implicâncias, que sempre
era um homem.
Serei fome e alimento
de ocas vaidades,
carpideiras de negro pensar.
Morto serei tudo…
Vivo não sou nada!
António Patrício