Debruçado à janela
num fim de tarde vulgar
a ver o fresco passar
entrou de rompante
sem ter eu
tempo de a questionar
da cadeira onde assentou
olhou-me nos olhos, questionante
balbuciei meias palavras sem atinar
para quebrar
tão grande embaraço
fui simpático; para agradar
ofereci-lhe o jornal do dia
não quis, achou entediante
ofereci-lhe da sopa que arrefecia
não quis, que estava com falta de apetite
ofereci-lhe um vinho doce
não quis, achou amargo
ofereci-lhe um livro para desfolhar
não quis, disse da sua falta de paciência
sem saber o que mais fazer
resignado, deixei-a ficar
lá onde estava sossegada
hoje vivo com a saudade
instalada neste viver
suspirado
espero com anseio
o dia que sem dizer porquê
sai pela janela por onde entrou
e me deixe respirar
num fim de tarde vulgar
a ver o fresco passar
António Patrício